terça-feira, 16 de novembro de 2010

REFLEXÕES SOBRE CÁCERES: DISPUTA DE PODER - I


Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição. Estas são as primeiras palavras de nossa Carta Magna. Quem será este povo? Como encontrá-lo? É fácil percebê-lo e identificá-lo, dentro de uma sociedade pós moderna?

Acredito que uma sociedade democrática, deva perseguir e tentar decifrar onde encontrar o povo, este ente mágico e detentor de tamanho poder. Não me parece ser tarefa fácil, pois a massa povo é abstrata e difusa. Materializa e individualiza na ação política, na hora do voto. O caminho até a urna é um processo que envolve a movimentação das forças políticas, dos partidos políticos, da costura de acordos e coligações, da apresentação dos candidatos e da campanha de rua, no radio e na TV. Tudo isso é feito no coletivo. Há uma mobilização em torno de projetos e propostas políticas apresentadas pelos candidatos. Alguém comanda este processo, vamos chamar este alguém de elite.É essa elite que mobiliza, cede a infra estrutura logística e financeira ao projeto do candidato. Dá apoio intelectual. Torna o candidato e sua proposta desejada e querida. Faz criar a identificação das propostas do candidato com os anseios e desejos de uma maioria.

O passo seguinte é a hora do voto. Na boca da urna somos uma pessoa só, individual, porem, como já expliquei acima, para chegar até o momento de votar construímos uma convicção, esta convicção é fruto de uma persuasão coletiva, absorvida durante todo o período de campanha eleitoral. Na hora do voto somos um coletivo. Logo há um coletivo que discute, pondera e pesa na hora do voto, a ação de votar é o externar individual de algo já digerido e assimilado. É o legitimar do interesse da maioria. Isso para Norberto Bobbio chama se democracia.

O jogo democrático constrói e permite a emergência de pessoas (lideranças) que em coletivo (elite) acabam sendo os responsáveis pelas escolhas políticas. Existem as elites, construídas ao longo de um processo histórico. As elites antes de serem única como quer o marxismo tradicional, estão cada vez mais locais, isso porque a tão falada globalização existe apenas num plano macro, pois no local ela é fragmentada, conflituosa e regionalizada. Fica claro que mesmo num mundo dito global o destino político está nas mãos de elites locais. Não tratamos da elite no sentido marxista, detentora de poder exclusivamente econômico, mas aquela com poder de persuasão e não de decisão. A decisão como vimos é do cidadão individual na hora do voto, plebiscito ou referendo. São todos aqueles (as) que de uma forma ou de outra possuem capacidade ou condições de influenciar pessoas. Cabe a esta elite abrir novas possibilidades, novos horizontes, ou como veremos adiante poderá renegar tudo isso e agir em interesse próprio.

O que torna as elites alvo de minhas criticas não é o fato de serem elites, e sim as posturas que podem tomar no dia a dia, ou na condução das discussões no seio de toda a sociedade. Uma elite pode ser progressista, dialógica, democrática ou revolucionária. O que combato é o desvio da elite para uma postura conservadora, tendente a deixar as coisas como estão. Passa a atuar como predadora e parasitária defendendo somente os seus interesses e não raras vezes interesses de grupos em detrimento da coletividade.

As elites que adquirem uma postura conservadora fazem a sociedade como um todo não caminhar. Os benefícios não chegam a todos. As coisas travam. O poder público passa a atuar no limite, atendendo o mínimo do mínimo nas áreas de saúde, educação e tem que passar a largo em áreas como saneamento, meio ambiente e outras áreas estratégicas para o desenvolvimento da sociedade. As elites conservadoras não permitem o debate político. Chegam com as soluções prontas e acabadas.

Isso é visível na carência de políticas públicas. As administrações passam a atuar como tapa buracos ou apagadores de incêndios, o pior é que sempre nestas operações a culpa recai sobre os antecessores nas administrações, ou em alguns casos a culpa recai sobre a natureza. Para a população, em geral, fica a sensação de que as coisas nunca vão para frente...

A atuação das elites que optam em serem conservadoras é sempre no sentido de se fechar de forma legitimada, ou seja, o povo é chamado a compactuar com esta situação. O mecanismo neste caso varia mas é comum a evocação ao passado, ressuscitando memória de lideranças (e não raras vezes projetando as qualidades dos expoentes familiares passados em seus descendentes atuais), ou a renovação cíclica de empreendimentos que nunca saem do papel efetivamente. Passam a ser temas recorrentes em momentos de decisão eleitoral.

Criam apelo a todos! Tenta um resgate histórico de um passado que afirmam ter sido brilhante. É a contradição da elite que opta pelo conservadorismo. Quer avançar olhando sempre para trás, esquecendo de ler o presente e de planejar o futuro.

As leituras de sociedade promovidas pelas elites conservadoras são sempre distorcidas. São incapazes de perceber a força que tem as camadas populares. Muito pelo contrário, chegam a ridicularizar suas lideranças, suas concepções e seus espaços. Marginalizam esta parcela da população que se organiza em Associações, sindicatos, partidos políticos, entidades e organizações populares. Chegam até a criminalizá-los ou estigmatizá-los como desocupados, vagabundos, agitadores e outros adjetivos depreciativos. Isso é perceptível nos discursos políticos quando usam a expressão sociedade civil organizada. O rol desta dita sociedade só consta Os clubes de serviços, a Maçonaria, Sindicatos Patronais, segmentos conservadores da Igreja Católica e outros grupos identificados com a burguesia. Não estão incluídos ai os Sindicatos em geral, os movimentos populares e sociais como o MST por exemplo. As elites conservadoras consideram legitimo e capazes de propor apenas os primeiros, pois estes representam as pessoas de bem e as aspirações nobres pelas quais devem pautar toda e qualquer administração.

Este conflito entre elite que desvia para o conservadorismo e as camadas populares é tema vencido. Os marxistas tradicionais já cansaram de dissecá-lo. Mas o que dizer quando duas elites conservadoras se encontram?

Pois bem, para entender a dinâmica social de Cáceres acredito que esta leitura tem que ser feita. Desde meados dos anos 80 a elite dominante começa a sofrer baques, e neste ponto é ilustrativa a perda de espaços. A falência de fazendas de gado no pantanal, muitas que foram ícones sendo adquiridas por grupos estrangeiros, novas atividades econômicas e concepções de ocupação do espaço começam a desafiar esta oligarquia. O centro da cidade sendo esvaziado para dar lugar a novas empresas comerciais, provenientes de outros Estados da Federação, sufocando e levando ao fechamento de casas e negócios tocados pelas famílias tradicionais.

Trabalhos acadêmicos consideram ilustrativo, o Esporte Clube Humaitá. Espaço de vida e de deleite de uma elite até então deixa de existir. Novos espaços na malha urbana já estavam sendo preparados para a expansão da cidade e o recebimento de novos elementos, provenientes de São Paulo, Minas Gerais e Estados da região Sul, só para citar alguns. O asfaltamento do eixo rodoviário Marechal Rondon trouxe uma leva de trabalhadores de outras localidades do Brasil, vejam o exemplo do bairro DNER que cresceu a partir desta obra! A transformação da UNEMAT em Universidade Estadual e a abertura de novos cursos atraindo jovens de outras paragens deste Estado. Mas os novos elementos que por aqui chegam irão constituir uma nova elite, igualmente conservadora. São novas idéias, novos projetos, mas a base continua a mesma, ou seja, o povo com suas organizações continuam não sendo ouvidos.

O desafio, portanto é grande para quem quer ver Cáceres progredir economicamente, socialmente e ecologicamente de forma justa e sustentável. O caminho a meu ver é entender o jogo de forças que é travado pelas nossas elites, que como se viu, optaram pelo viés do conservadorismo. Há um conflito de elites em Cáceres.

E o povo, que segundo a Constituição é o detentor de todo o poder? Bem ai está outro desafio. Uma nova visão sobre a sociedade cacerense deverá ser encampada. Uma nova análise capaz de desconstruir mitos. Fazer o povo entender e assumir o protagonismo e sua história. Há que se resgatar a auto-estima do povo cacerense, sem cair no conservadorismo das tradições oligárquicas e conservadoras, mas fazer com que as tradições sejam instrumento de libertação das amarras que, por séculos prende e impede esta população de opinar, participar, deliberar, fiscalizar, cobrar...

Confesso que estou animado, pois em vinte minutos que passei na biblioteca central da UNEMAT encontrei nada menos que dezoito trabalhos em nível de graduação e pós-graduação que tentam decifrar este dito povo Cacerense. Isso significa que o caminho está iniciado!

E a briga entre as elites em Cáceres? Ora, se tudo correr bem dentre em breve não vai sobrar espaço para elas e suas picuinhas. Seus expoentes dentro desta nova lógica e concepção cairão no ostracismo. O Povo vai tomar o poder e a constituição federal vai se cumprir em seu parágrafo único do artigo 1º, mesmo depois de vinte e dois anos. Mas já é um começo e vale a pena tentar. Eu não ficaria nada satisfeito se político da região mudasse para Cáceres e em três anos poderá ser prefeito. Todo cuidado é pouco.